Gerson tinha 19 anos e era conhecido como “Vaqueirinho”. Ele morreu no domingo, 30 de novembro de 2025, depois de invadir a jaula de uma leoa chamada Leona no Parque Zoobotânico Arruda Câmara (Bica), em João Pessoa (PB). O jovem escalou uma estrutura de mais de seis metros de altura, ultrapassou grades de segurança e usou uma árvore como apoio para entrar no recinto — tudo isso enquanto o parque estava aberto e havia visitantes. Logo após entrar, foi atacado pelo animal. As autoridades confirmaram que a causa da morte foi choque hemorrágico por ferimentos comprometendo a região do pescoço.

Desde a infância, Gerson vivia em situação de extrema vulnerabilidade. Aos 10 anos, foi encontrado sozinho em uma rodovia, levado pela Polícia Rodoviária Federal ao Conselho Tutelar, e passou a integrar a rede de proteção da infância. Ele era filho de mãe com diagnóstico de esquizofrenia e avós também com problemas de saúde mental, e viveu em pobreza severa. Entre seus irmãos, ele foi o único que não conseguiu ser adotado — o histórico de possíveis transtornos foi um dos fatores apontados como impeditivo.

Embora tivesse sido encaminhado alguma vez ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), fugiu do local. Ao longo da vida, acumulou cerca de 16 registros na polícia — muitos desde a adolescência — por atos ligados a danos e pequenos furtos. Segundo relatos de quem o acompanhou, ele passou anos sem acesso consistente a tratamento psiquiátrico, vivendo à margem de uma estrutura de apoio efetiva.

Mesmo diante de tantos problemas, Gerson nutria um sonho: dizia que queria viajar à África para “domar leões”. Esse desejo se repetia desde a infância — um delírio que, infelizmente, o levou à tragédia.

Reflexos de um abandono sistemático

O caso de Gerson expõe falhas graves no acolhimento infantil e na assistência a pessoas com transtornos mentais. Apesar de ter sido acompanhado por instituições de proteção e de seu histórico mostrar risco social elevado, ele não recebeu tratamento contínuo e adequado. A conselheira tutelar que o acompanhou por anos afirmou que, durante esse tempo, fizeram o que podiam dentro das limitações do sistema — mas considerou que ele foi diagnosticado “tarde demais” e sem o suporte necessário.

A trajetória dele revela como a negligência institucional e social pode ampliar vulnerabilidades e, no limite, resultar em tragédias irreversíveis.

A tragédia e seus desdobramentos

No dia do incidente, a invasão da jaula por parte de Gerson pegou de surpresa tanto visitantes quanto equipes de segurança. Apesar de existir uma estrutura de contenção — com muros altos e grades — ele conseguiu acessar o recinto da leoa usando uma árvore como apoio. A entrada não provocou reação imediata da leoa até que ele estivesse dentro do espaço destinado ao animal; então, por instinto, ela atacou.

Em nota, a administração do parque ressaltou que todas as normas de segurança exigidas pelo IBAMA estavam sendo cumpridas. Após o incidente, as visitas ao zoológico foram suspensas enquanto as autoridades conduziam as investigações.

Reflexões sociais

A história de Gerson não pode ser vista apenas como um acidente isolado — ela traz à tona questões estruturais: o abandono infantil, a negligência no tratamento de saúde mental, as falhas no acolhimento institucional e a dificuldade de reintegração social para pessoas vulneráveis e com transtornos.

A tragédia também provoca um questionamento mais amplo: até que ponto a sociedade e o Estado garantem efetivamente os direitos dessas pessoas? Até que ponto o sistema de proteção social está preparado para lidar com casos complexos, que envolvem saúde mental, abandono e exclusão?

Fontes: Metrópoles; Jovem Pan; Correio 24 Horas; Plox; CNN Brasil; 1News; Correio Brasiliense.